domingo, 27 de maio de 2007

Uma Receita de Cola

15
David M. Noer
À proporção que o tradicional contrato de trabalho implícito entre o indivíduo e a organização prossegue, muitos de nós estão lutando com questões básicas sobre como conduzir, motivar e planejar este novo e inexplorado ambiente onde, gostemos dele ou não, somos todos empregados temporários. A questão cada vez mais expressa é, “depois de todas as demissões, aposentadorias antecipadas, downsizings e reestruturações, qual é a cola que mantém esta organização unida?”
A busca por tal cola é talvez a mais urgente com que se confrontam as atuais organizações. Um exemplo contemporâneo real pode ser encontrado na agonia de um executivo que chamaremos de Steve e seus subordinados diretos. Steve, presidente de uma empresa de médio porte de manufatura e vendas de alta tecnologia, e sua equipe lutavam com o que finalmente admitiram ser uma mudança permanente para uma situação que denominavam de a nova realidade. A amplitude desta nova realidade penetrara na consciência coletiva do grupo de Steve, como um fluido em seus pulmões, até praticamente sufocá-los. Eles não eram uma equipe feliz!
A estrutura da nova realidade, a qual exprimiam com termos muito sóbrios e pessoais, encontrava-se exposta em duas folhas impressas presas à parede. Havia seis itens:
  1. “Demissões vão continuar.” Isto significava que continuariam, ainda no futuro, ‘levando a sair’ os amigos e colegas. Na verdade, não podiam prever um fim para isso.
  2. “Nem mesmo nossos empregos estão salvos.” Havia dois subitens para este ponto principal: “aquele que vive pela espada morre por ela”, que resumia uma discussão animada sobre a cultura de corte de custos, e “somos todos temporários”.
  3. “O velho sistema está morto.” A relação da pessoa com a organização internalizada por muitos deles era que a obrigação do ‘bom’ empregado era se ajustar e se comportar de acordo com normas e padrões sancionados pela organização, e a obrigação do ‘bom’ empregador era cuidar do ‘bom’ empregado durante uma carreira de 40 anos.
  4. “Não estamos felizes com a nossa situação.” Cada um dos membros da equipe admitia um sentimento combinado de raiva, ansiedade e frustração.
  5. “Não sabemos mais como gerenciar.” O grupo concluiu que precisava de dois conjuntos distintos de talentos para auxiliar a organização a reverter a situação em que se encontrava: competência para ajudar os empregados a se livrarem de efeitos debilitantes da ‘doença do sobrevivente à demissão’ e habilidades imprescindíveis para conduzir uma força de trabalho mais autônoma. Estas habilidades eram muito diferentes das exigidas no passado.
  6. “Estamos sem cola.” Não havia evidência de reposição ‘de cola’ para o grupo naquele momento (aquela que anteriormente mantinha a organização unida).
Este era o último item, a falta de cola, que levara um membro do grupo a se desgrudar (sair da organização). Seu lamento ecoava nos corações de muitos líderes da organização. “Tudo em que trabalhamos com tanto afinco para construir aqui se desfez!” revelava ele. “Onde está a lealdade neste novo contrato de trabalho? Como poderemos gerenciar um bando de mercenários?”
A dor sentida pela equipe de Steve era verdadeira e a frustração que experimentaram era cada vez mais compartilhada por muitos líderes da organização que entraram sob o ‘antigo’ contrato, onde as pessoas colocavam a auto-estima e o senso de pertinência no cofre da organização e esta respondia cuidando deles durante toda uma carreira. O valor próprio, as idéias sobre o que consistiam lealdade e motivação, e os conceitos de liderança foram moldados sob um paradigma muito diferente daquele no qual agora operavam. O que os levara até lá não os manteria, nem manteria as organizações. Todavia, é muito difícil renunciar. Conforme disse um diretor-presidente, “velhos cães podem aprender novos truques, mas é dificílimo! Os velhos truques é que antes nos transformam em velhos cães!”
A primeira tarefa é tirar a cola antiga, que era externa e aplicada de cima para baixo, e substituí-la por um novo adesivo que seja interno e auto-gerenciado. A cola antiga era feita de esbanjamento, hierarquia, burocracia (no sentido positivo desta desvirtuada palavra) e mobilidade ascendente. Lealdade era sinônimo de entrosamento, e a principal propriedade do adesivo era o paternalismo aplicado. Para produzir uma nova cola, precisamos compreender cinco pontos básicos:
  1. Motivação e compromisso não são limites irrevogáveis para o emprego vitalício, a lealdade à empresa, e o entrosamento.
  2. É possível — na verdade, essencial para a sobrevivência — realizar um excelente trabalho em prol dos outros, sem uma garantia de emprego vitalício e sem colocar os ovos sociais, emocionais ou financeiros na cesta organizacional.
  3. O compromisso e a produtividade organizacionais não são diminuídos pela lealdade a si mesmo, à equipe e a profissão.
  4. Liderança é muito diferente em uma força de trabalho autônoma que não está sobrecarregada pelo medo, por falsas expectativas de promoção ou por distrações políticas e tentando impressionar o chefe.
  5. Quando as pessoas mantêm uma relação pessoal porque assim o escolheram e sabem que dela podem sair sem culpa, quando exércitos são feitos de voluntários e não de pessoas recrutadas, e quando as pessoas escolhem permanecer em uma organização em virtude do trabalho e dos clientes, sabendo que talvez não possam ficar por toda uma carreira, costumam ser mais produtivas e compromissadas. Este é talvez o aprendizado mais profundo, que chamo de o paradoxo da liberdade. O paradoxo da segurança no emprego é que quando as.pessoas escolhem ficar pelas razões certas (o trabalho e o cliente), em oposição às erradas (falsas expectativas de garantia de emprego), a segurança no emprego costuma aumentar!
Às vezes, quando estou trabalhando com dirigentes empresariais em sua busca por esta nova e indefinível cola, fecho os olhos e penso em um grande pote de cola no meio da sala de reuniões. E imagino como seria a receita para ela:
  • Encha o pote de cola com água límpida, fresca e pura de espírito humano fortalecido.
  • Tome um cuidado especial para não contaminar com idéias preconcebidas ou poluir com excesso de controle.
  • Encha bem devagar; observe que o pote somente pode ser enchido de baixo para cima. É impossível fazer o contrário!
  • Misture partes iguais de foco no cliente e orgulho pelo bom trabalho.
  • Deixe levantar fervura e combine com uma porção liberal de diversidade, uma parte de auto-estima e uma parte de tolerância.
  • Misture lentamente responsabilidade.
  • Mantenha em ponto de ebulição até que se torne homogêneo e consistente, misturando com liderança compartilhada e metas claras.
  • Tempere com uma dose de humor e uma pitada de aventura.
  • Deixe esfriar e guarneça com uma cobertura de valores essenciais.
  • Sirva cobrindo todas as caixas do organograma, dando especial atenção aos espaços em branco. Com a correta aplicação, as caixas desaparecem e tudo que pode ser visto é produtividade, criatividade e assistência ao cliente.
Isto é apenas uma receita. Cada organização deve propor a sua. E fazer o próprio preparo. A nova cola não se compra pronta.

David M. Noer é vice-presidente sênior de treinamento e educação no Centro de Liderança Criativa, com responsabilidade mundial pelas atividades educacionais e de treinamento do centro. Escreveu quatro livros: Healing the wounds (Curando as feridas), Multinational people management (Administração de pessoas multinacionais), How to beat the employment game (Como vencer o jogo do emprego) e Jobkeeping (Como manter o emprego).