domingo, 27 de maio de 2007

Gerência em Tempo de Paz e Liderança em Tempo de Guerra

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Judith M. Bardwick
Por definição, líderes conduzem mudanças. Quando a vida está em ordem, as tarefas são previsíveis e quase tudo está indo bem, as pessoas não querem nem precisam de muita liderança. Quando estão satisfeitas e seguras, querem o statu quo. Pessoas satisfeitas não se encontram em um estado psicológico de necessidade que as conduza a adotar um líder e buscar mudanças. Nestas circunstâncias, elas querem uma liderança em tempo de paz ou, mais precisamente, gerência em tempo de paz. Tempo ‘de paz’ e ‘de guerra’ não se referem neste contexto a conflito, mas, pelo contrário, à diferença entre condições nas quais os acontecimentos são previsíveis de forma razoável, com certo senso de conforto e controle, e aquelas em que pouco se pode prever com certeza, onde há pouco conforto ou senso de controle. Muitas organizações, mas sobretudo as de negócio, deixaram as condiçoes de paz para as de guerra desde o princípio da década de 80. Tempos de paz não possuem crise nem caos, de modo que nenhuma mudança maior é necessária. Ao contrário, as pessoas estão contentes com o que já existe e a mudança envolve uma sacudidela em um sistema existente no intuito de lentamente melhorá-lo. A gerência em tempo de paz consiste de modificações graduais do que já existe, sem maiores rupturas e, portanto, sem maiores conseqüências emocionais. Sem o senso de emergência ou urgência, os líderes não precisam ser especiais e não precisam gerar adeptos emocionais. Eles são apenas pessoas que ocupam posições de poder. Qualquer um nestas posições é visto como um líder independente do que faz, pois não há muito a fazer. E está tudo bem para os seguidores enquanto a vida permanecer confortável e em ordem. (Isto explica o conflito comum entre aqueles que querem conduzir outros para uma mudança maior como se fosse tempo de guerra e aqueles que se recusam a se tornarem seguidores, insistindo que ainda é tempo de paz.)
Encontramos cada vez menos circunstâncias nas quais gerentes em tempo de paz podem ser bem-sucedidos pois, em termos gerais, as condições de tempo de paz acabaram. Nesta era de globalização, ‘o perigo na zona de conforto’ foi substituído pela necessidade de encontrar conforto no interminável perigo.
Já não importa mais onde o trabalho é feito. As conseqüências são maiores oportunidades e grande competição. Em uma economia sem fronteiras, você pode atingir novos clientes, mas com a mesma facilidade seus concorrentes terão fácil acesso aos seus.
O mundo mudou e a mudança veio para ficar. De forma crescente, a zona de conforto está sendo substituída pelo perigo interminável. Por sua vez, os gerentes em período de paz, pessoas mais satisfeitas em condições estáticas, terão de aprender a se tornar líderes em período de guerra, pessoas que abraçam uma mudança maior porque vêem muito mais oportunidades do que ameaças na turbulência. Infelizmente, muitos gerentes voltados para o tempo de paz terão de ser substituídos por não perceberem isso. As condições do período de paz não facilitam a geração de líderes para tempos de guerra. Na paz, as pessoas não têm oportunidade de melhorar suas aptidões de modo a não temerem a mudança e fazerem a escolha certa, embora difícil.
A necessidade emocional, ou a busca por líderes, resulta das condições de mudança, crise e urgência que chamo de tempo de guerra. Na perturbação das condições do tempo de guerra, quando o mundo está assustado e o futuro é incerto, quando as pessoas experimentam o medo, o terror, os maus presságios e o cansaço extremo, elas necessitam emocionalmente de um líder, alguém em quem possam confiar e com quem queiram assumir um compromisso emocional. Os líderes despertam associações emocionais nos seguidores somente até onde e.estes estão emocionalmente necessitados.

O que fazem os líderes do tempo de guerra
Observando as organizações que lutam com as turbulentas transições de hoje, identifico seis coisas a serem feitas pelos líderes que parecem especialmente críticas para criar um senso de forte liderança e alcançar o sucesso. Os líderes devem (1) definir o negócio da empresa, (2) criar uma estratégia de liderança, (3) comunicar-se de forma persuasiva, (4)comportar-se de modo íntegro, (5) respeitar os outros e (6) agir.

Definir o negócio da empresa
A questão mais importante em qualquer organização precisa ser, “qual o negócio de nossa empresa?” A resposta determina o que a empresa deve — e não deve — fazer. Em economias sem fronteiras e de rápidas mudanças, a questão deve ser revisitada com freqüência porque a resposta pode mudar rapidamente. Determinar o negócio da empresa é o primeiro passo na definição, de prioridades. Esta é uma responsabilidade maior da liderança pois, sem prioridades, os esforços se dispersam e pouco é alcançado. Os melhores dirigentes direcionam o foco da organização e se envolvem apenas em assuntos mais importantes. Na competição em tempo de guerra, os líderes devem aproveitar com habilidade o senso natural de urgência que se manifesta pelas ameaças externas e usá-lo para reforçar, de forma contínua, o foco imperativo em fazer o que é importante. Cumprir a missão perante grandes disparidades, atingindo alvos distantes para o negócio da empresa — esta é a cola que mantém as pessoas unidas e compromissadas com o bem de todos.
A melhor liderança forma a missão e os valores da organização de um modo que os membros consideram transcendente: as metas da empresa, baseadas nos detritos do trabalho comum, são transformadas para metas mais elevadas, dignas de esforços heróicos e até de sacrifícios.

Criar uma estratégia vencedora
É responsabilidade da liderança criar uma estratégia que levará a organização a ser bem-sucedida, crescer, prosperar, vencer a competição. Em uma economia sem fronteiras, a pergunta “qual é nossa estratégia e quais são as de nossos concorrentes”, assim como “qual é nossa atividade principal?”, devem ser levantadas e respondidas frequentemente, pois a estratégia deve ter origem na realidade competitiva da empresa. Estratégia é conceitual; uma estratégia vencedora deve designar de forma precisa o que a organização fará melhor do que qualquer outra de modo a ser a opção do cliente.
Para que uma estratégia seja bem-sucedida ela deve prever, gerar e orientar a mudança e estabelecer compromisso com os membros da organização. Deve ser plausível, ágil, arrojada e realizável a ponto de gerar em si mesma uma convicção de que seja valioso assumi-la, mesmo que a jornada seja árdua, pois ela criou uma vantagem competitiva maior. Definir o negócio da empresa de modo sensato e sábio, e criar uma estratégia convincente para vencer, são ações críticas para persuadir as pessoas de que possuem líderes verdadeiros e de que o sucesso será alcançado.

Comunicar de forma persuasiva
Os líderes sabem que a confiança é uma vantagem competitiva em um mundo de competição antagônica. Basicamente, confiança é uma questão de prognóstico. As pessoas confiam em outras quando estas lhes dizem que algo acontecerá e isto acontece. Mudanças maiores, portanto, sempre ameaçam a confiança e, deste modo, ameaçam definitivamente a confiança na liderança. Ausência de comunicação, ou uma comunicação ineficaz, sobretudo em tempo de guerra, resultam em um grande aumento da desconfiança, da confusão e do ceticismo, além de uma imensa queda do moral, da crença na organização e da seguranca na liderança. Por isso, a necessidade de uma comunicação persuasiva é especialmente crítica em períodos de ameaças e mudanças significativas.
Durante períodos de grandes mudanças, muitas organizações emitem poucas comunicações porque querem evitar as conseqüências negativas que ocorrem quando as pessoas não sabem o que vai acontecer com elas. Mas, quando muitas mensagens são emitidas ou o grau de ansiedade é alto, pouco se resolve. Portanto, as organizações devem limitar a quantidade de comunicações e simplificar as mensagens enviadas. Os líderes devem decidir que partes da informação as pessoas realmente precisam saber, e estes.poucos pontos devem ser amplificados, declarados de modo mais simples e repetitivo do que se pode imaginar necessário. E quando as metas são reduzir a ansiedade e aumentar o compromisso com o líder e a missão, a comunicação mais eficaz é em pessoa, de maneira pessoal e sob a forma de diálogo.

Comportar-se de modo íntegro
Sem integridade, a confiança jamais é obtida. Os melhores líderes são transparentes: eles fazem o que dizem; suas ações são coerentes com suas palavras. As pessoas acreditam neles porque agem em linha com os valores que adotam. Não fazem jogos maquiavélicos de manipulação e má-fé. Neste sentido, são honestos.
Ser íntegro, acho eu, baseia-se em parte na coragem. Requer.honestidade consigo mesmo, assim como com os outros, quanto ao que é sinceramente valorizado e considerado importante. Comportar-se de modo íntegro também significa ser coerente com as próprias escolhas e ações. Além da coragem, os líderes devem ter alguma certeza quanto a direção a seguir e qual caminho escolher. Por sua vez, isto requer dos líderes uma firme convicção dos valores e propósito constante de distinguir entre certo c errado, sabedoria e tolice.

Respeitar os outros
Os melhores líderes não prejudicam a mente das outras pessoas. Os líderes precisam de um senso essencial de confiança que lhes permita receber com tranqüilidade as idéias dos outros, mesmo discordante. Embora os melhores líderes sejam quase sempre notavelmente cultos, sobretudo quanto a situação geral, não são covardes nem Genghis Khan, humildes ou arrogantes. Como conseqüência, não acham que precisar das idéias dos outros seja aviltante. Líderes eficazes em tempo de guerra requerem idéias de todos os envolvidos, preferem um debate animado antes que decisões sejam tomados, embora, uma vez decidido, exijam alinhamento. Eles exigem que os outros ajam com entusiasmo, em linha com a decisão, mesmo que antes tenham se oposto a ela.
Hoje em dia, subordinados em todos os níveis organizacionais possuem experiência, conhecimento e aptidões, as quais podem oferecer, se seus líderes estiverem psicologicamente preparados para ‘ouvir’. Ouvir os outros, assim como dar-lhes autonomia, não é uma questão de processo. Ao contrário, e uma questão de respeito.

Agir
O gerente em tempo de paz é como um gerente de suprimentos: muito bom em planejamento e logística, tarefas às quais as pessoas se dedicam com afinco mas ninguém se machuca. Por outro lado, em tempo de guerra, os líderes precisam considerar a possibilidade de fazerem o intolerável. Liderança em tempo de guerra é difícil: ela envolve ações nas quais alguns podem se ferir e até morrer, para que o grupo como um todo viva (‘Ferir’ e ‘morrer’, neste contexto, se referem a mudanças como dispensa de funcionários, downsizing, vender ou fechar unidades improdutivas e realizar fusões e aquisições.) A liderança em tempo de guerra, portanto, requer força de caráter, autodisciplina, coragem e afastamento daquilo de que gerentes em tempo de paz fazem.
É função dos líderes inspirar confiança em pessoas atormentadas pela dúvida. Em tempo de guerra, quando as condições são duvidosas e as decisões difíceis, os líderes devem decidir, escolher e agir. Eles entendem que quando não agem são vistos como indecisos e fracos, e isto aumenta a sensação de ansiedade, impotência e insegurança nas pessoas. Quando os outros duvidam da capacidade, confiança ou eficácia de um líder, a missão é sabotada.
Por conseguinte, líderes precisam ser considerados pessoas corajosas que agirão e pessoas que acreditam que a mudança gera mais oportunidades do que ameaças. Ainda que tenham de manter intenso contato com a realidade, eles também precisam ser otimistas.

Liderança psicológica
Em termos psicológicos, líderes guiam porque convencem os outros de que entendem as questões melhor do que ninguém. As pessoas os seguem porque eles falam sobre soluções com convicção persuasiva, projetam confiança quando os outros estão inseguros e agem de modo decisivo. Hoje, e mais ainda no futuro, os líderes precisam convencer as pessoas de que lidar com a mudança interminável não apenas é necessário mas também resultará em algo meihor.
As pessoas são lideres à medida que criam seguidores. Definitivamente, liderança é um vínculo emocional, às vezes até um compromisso apaixonado entre seguidores e o líder e suas metas. A liderança difere de outros relacionamentos pelo fato de que líderes geram esperança e convicção nos seguidores. Eles são pessoas que os outros percebem como capazes de proporcionar melhorias. No campo emocional, líderes criam seguidores porque geram:
  • Confiança em pessoas amedrontadas
  • Certeza em pessoas hesitantes
  • Ação onde havia hesitação
  • Força onde havia fraqueza
  • Método onde havia confusão
  • Coragem onde havia covardia
  • Otimismo onde havia ceticismo
  • Convicção de que o futuro será melhor

Decididamente, líderes guiam porque geram um compromisso apaixonado em outras pessoas para que sigam as estratégias e alcancem o sucesso. Por fim, a liderança não é intelectual nem cognitiva. Liderança é emocional.

Judith M. Bardwick é presidente e fundadora da Bardwick and Associates, uma influente empresa de consultoria. Desde 1978, concentra-se em questões relacionadas em melhorar a eficácia empresarial e a estrutura gerencial. E um expoente nestes assuntos, tendo combinado pesquisas bastante sofisticadas a aplicações práticas durante toda sua carreira. E autora de Danger in the confort zone (Perigo na zona de conforto), The plateauing trap (A armadilha da estabilidade), In transition (Em transição) e The psychology of women (A psicologia das mulheres).