quarta-feira, 23 de maio de 2007

Líderes de Classe Mundial

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Rosabeth Moss Kanter
O poder da parceria
A liderança é uma das responsabilidades humanas mais universais e duradouras. Sua prática é tão similar através das épocas históricas e das civilizações que lições são muitas vezes extraídas de personagens ímpares como Jesus Cristo, Mahatma Gandhi, Átila o Huno e Nicolau Maquiavel. As perspectivas de Mary Parker Follett quanto as relações entre líderes e seguidores, escritas há sete décadas, soam verdadeiras hoje, como demonstra a recente redescoberta de seus relatos. Assim, de muitas maneiras importantes, os líderes do futuro necessitarão de traços característicos e recursos dos líderes históricos: um olho para mudança e mão firme para assegurar a visão e reafirmar que a mudança pode ser conduzida, uma voz que articule a vontade do grupo e molde esta vontade para fins construtivos e uma capacidade de inspirar pela força da personalidade, fazendo com que outros se sintam com autonomia para aumentar e empregar as próprias capacidades.
Mas hoje existe uma diferença importante, um fator que será cada vez mais crítico aos lideres do futuro do que o foi para os do passado, uma questão que deve ser incluída no programa de desenvolvimento da liderança.
Muitos dirigentes de histórico renome e muitos outros contemporâneos de instituições tradicionais obtiveram sucesso concentrando-se nas necessidades da própria organização e sendo os melhores defensores dos interesses de seu grupo. Conseguiram atrair recursos para suas instituições e, dessa forma, protegeram suas fronteiras, traçando distinções bem definidas entre dentro e fora, ‘nós’ e ‘eles’, e mantendo os estranhos a distância. Grandes corporações burocráticas outrora tornaram o cliente um conceito remoto e apenas a força de vendas mantinha contato regular com ele. Organizações sem fins lucrativos bajulavam os doadores em busca de fundos, mas não os incluíam em atividades programadas e, às vezes, gerentes e profissionais discutiam ativamente sobre como impedir a ‘interferência’ do conselho ou de clientes em decisões profissionais. E cada organização parecia sentir que poderia atingir melhor as metas protegendo a própria base e desse modo gerando suspeitas sobre suas relações com outras organizações.
Os líderes do futuro não podem mais permitir o isolamento. Não é apenas uma opção em um universo cada vez menos delimitado de organizações sem fronteiras orientadas pela ‘força do cliente’: o fato é que as pessoas cada vez mais podem evitar os monopólios locais ou fornecedores locais protegidos e visitar o mundo em busca de melhores produtos e serviços. Em suma, os líderes do passado quase sempre levantaram muros. Agora, precisam destruí-los e substituí-los por pontes.

A necessidade de líderes cosmopolitas
Os líderes precisam se tornar cosmopolitas que operam à vontade através das fronteiras e podem desenvolver fortes vínculos entre as organizações. Os líderes devem usar sua capacidade para elaborar visões, motivar a ação, dar autonomia aos demais e incentivar pessoas de diversas funções, áreas e organizações a encontrar uma causa comum em metas que melhorem todo o setor, a comunidade, o país ou o mundo, e façam com que o bolo dê para todos, em vez de instigarem estreitos interesses provincianos que lançam um grupo contra outro, desperdiçando recursos em uma competição acirrada pela redução da quantidade de fatias do bolo. Eles precisam se tornar cosmopolitas com visão, habilidades e recursos para formar redes que se estendam para além de suas casas e tragam benefícios ao próprio grupo através da parceria com outros.
Cosmopolitas não são simplesmente cidadãos do mundo muito viajados; algumas pessoas que viajam permanecem irremediavelmente provincianas e muitos cosmopolitas de mente aberta estão bastante comprometidos com suas comunidades locais. O cosmopolitas são lideres de mente aberta e acessíveis aos parceiros. São receptivos às informações externas e seu atual modelo de trabalho e têm prazer em novas experiências e idéias. Estão um passo à frente dos demais na visão de novas possibilidades que rompam com o modelo.
Essas idéias sobre liderança na economia global emergente e na era da informação começam a se tornar interessantes quando penso em líderes exemplares que já mudaram seus papéis na construção organizacional para destruidores de muros e construtores de pontes, pavimentando a estrada (para estender a metáfora da construção) nas indústrias do futuro.

Da força de personalidade à qualidade mental
Os líderes cosmopolitas do futuro devem ser integradores que enxerguem além das diferencas óbvias entre organizações, setores, áreas, funções ou culturas. Devem ser diplomatas que resolvam conflitos entre os diferentes meios pelos quais organizações, comunidades ou países operam, e que podem influenciar pessoas a trabalharem juntas e encontrarem uma causa comum. Devem ser multifertilizadores, levando o melhor de um lugar para outro. E devem ser profundos pensadores, bastante inteligentes para enxergar novas possibilidades e concebê-las.
As funções intelectuais dos líderes têm sido quase sempre negligenciadas em discussões sobre liderança. Carisma, personalidade forte ou habilidades interativas muitas vezes têm recebido mais ênfase do que a capacidade mental requerida para que os líderes reflitam sobre problemas e encontrem novas soluções. A agilidade mental é, sobretudo, essencial em momentos de transformação social. Na economia global da era da informação, idéias e acontecimentos estão remodelando — ou ameaçando remodelar — todas as instituições econômicas e sociais. Em cada área, a sabedoria recebida sobre categorias, distinções e agrupamentos está sendo desafiada. Tentar liderar enquanto o sistema em si está sendo remodelado valoriza o cérebro: imaginar possibilidades fora das categorias convencionais, visionar ações que cruzem as fronteiras tradicionais, prever as conseqüências e tirar proveito das interdependências, fazer novas conexões ou inventar novas combinações. Aqueles que carecem de flexibilidade mental para pensar além dos limites vão achar cada vez mais difícil se conservar no lugar, progredir sozinhos. A geração de novas idéias desafia as fronteiras. As inovações se originam de conexões mentais inesperadas, surpreendentes e até irreverentes. Desenvolvê-las requer colaborações e ajustes de muitas partes das organizações e das redes em torno delas. Oportunidades empreendedoras não respeitam territórios; não se apresentam nas caixas estabelecidas nos organogramas. Quanto mais sólidas as paredes entre funções ou entre empresas, menos provável que as pessoas se aventurem fora de suas caixas para tentar algo novo. Cabe aos líderes cosmopolitas incentivar os demais a abrir suas mentes e recorrer à força da parceria nas organizações, assim como através delas.

Rosabeth Moss Kanter ocupa a cátedra da Turma de 1960 do MBA como professora de administração na Faculdade de Administração de Harvard, Seu livro mais recente é World class: thriving locally in the global economy (Classe mundial: progresso local na economia global). Entre outros livros best-sellers e premiados estão When giants learn to dance (Quando os gigantes aprendem a dançar), The change masters (Mestres da mudança) e Men and women of the corporation (Homens e mulheres da corporação). Conselheira e consultora de gerenciamento da mudança para as principais organizações no mundo todo, foi fundadora da empresa de consultoria Good-Measure, situada em Boston, e trabalha em muitos conselhos de administração de participação pública e comissões governamentais.